Conforme comentamos, os modernos aviões cargueiros e de transporte de passageiros são projetados para operar em velocidades acima do Mach Crítico, até o limite operacional denominado MMO. Entretanto, também sabemos que a partir do Mach Crítico começam a surgir as Ondas de Choque Normais, e com elas os efeitos de compressibilidade do ar.
À medida em que uma aeronave acelera acima do Mach Crítico, tais efeitos de compressibilidade tornam-se cada vez mais perceptíveis e aumentam substancialmente a produção de arrasto e afetam a capacidade dos aerofólios em gerar a sustentação necessária até mesmo para manter uma aeronave em voo nivelado. Haverá um momento, então, em que tais efeitos serão tão intensos que tornarão o voo inviável em determinada altitude.
A seguir, abordaremos alguns dos principais fenômenos que devem ser esperados que ocorram, sempre que uma aeronave ultrapassa o Número de Mach Crítico.
Alteração do Centro de Pressão
Você já sabe que uma aeronave em voo nivelado se encontra em uma situação de equilíbrio de forças. Tal equilíbrio depende do posicionamento das resultantes de
cada uma delas, como o Centro de Gravidade – CG do avião (local da resultante das forças do seu peso) e o Centro de Pressão – CP das asas (local da resultante das forças de sustentação). Esse último localiza-se atrás do CG, em direção ao bordo de fuga, e é geralmente medido em função da Corda Média Aerodinâmica (CMA) da asa.
Uma vez que o CP das asas está atrás do CG, a força resultante do estabilizador horizontal de uma aeronave deve ser negativa (ou seja, no mesmo sentido que a força resultante do peso total do avião), para se contrapor ao desequilíbrio do momento gerado pelo braço (pela distância) entre o CG e o CP das asas.
À medida em que uma aeronave ultrapassa o Mach Crítico, as primeiras Ondas de Choque Normais surgem da transição do fluxo supersônico para o fluxo subsônico de ar, isso causa a movimentação do Centro de Pressão em direção ao bordo de fuga do aerofólio. Ora, com a movimentação do Centro de Pressão das asas para trás, esse se afasta ainda mais do CG, e o piloto sentirá o nariz do avião cada vez mais pesado, com uma gradativa tendência de “picada”. Nessa situação, para manter o equilíbrio, o estabilizador horizontal terá que gerar mais força para baixo.

No exemplo da figura acima, que retrata uma determinada aeronave comercial a jato, perceba que a partir de M 0.70 a força que o piloto (ou o sistema de atuação mecânica/hidráulica da aeronave) deve exercer no manche, para manter um voo nivelado, aumenta substancialmente. Esse é um dos fatores limitantes para os projetistas aumentarem o MMO (Mach Máximo Operacional) de uma aeronave.
Quanto maior a velocidade, haverá um momento em que não será possível gerar tanta sustentação no estabilizador horizontal, mesmo para manter o voo nivelado,
ou então a força necessária para atuar o estabilizador poderá atingir valores suficientemente elevados, que impossibilitem a sua operação.
Essa tendência de picar é conhecida no meio aeronáutico pelo termo “Tuck Under”, e a resposta do piloto para contrapor-se a esse efeito deve ser focada prioritariamente na redução do número Mach da velocidade da aeronave, o que pode ser obtido pela diminuição da velocidade de deslocamento (por meio da redução da potência, utilização de spoilers etc.) ou a operação em altitudes mais baixas (onde encontramos, para uma mesma velocidade aerodinâmica, velocidades do som mais altas).
Você se recorda do que dissemos no início desse curso, com respeito aos efeitos de picada das aeronaves da década de 1950, que eram reduzidos e subitamente desapareciam ao longo de um mergulho? Pois então, nesses casos, o desaparecimento dos efeitos de “Tuck Under” devia-se ao fato de que a aeronave, em descida acentuada (num mergulho), primeiramente alcançava velocidades muito elevadas ainda em grandes altitudes, ultrapassava o Mach Crítico e experimentava a tendência de picar. Entretanto, ainda durante o mergulho, na medida em que o avião atingia menores altitudes, passava a voar com Número Mach cada vez menor, o que fazia com que as Ondas de Choque perdessem progressivamente a intensidade, até que por fim a velocidade baixava do Mach Crítico e os efeitos de compressibilidade desapareciam por completo.
Resumindo, para contrapor-se aos efeitos de picada, será necessário reduzir a ocorrência e a intensidade das Ondas de Choque Normais, que se manifestam de maneira mais agressiva quando a velocidade do voo se aproxima do MMO, deslocando o CP.
Relembrando um conceito visto anteriormente, observe nas figuras a seguir que os filetes de ar, à medida que abandonam o bordo de fuga da asa, tendem a retornar à direção do fluxo original (ou seja, são direcionados para baixo), em um fenômeno definido como “Downwash”. Outra consequência das Ondas de Choque nas asas é a redução no ângulo de “Downwash”. Tal redução tem impacto negativo na recuperação do “Tuck Under”, uma vez que o fluxo de ar passa a atingir diretamente o extradorso do estabilizador horizontal, com ângulos negativos, reduzindo a geração de sustentação naquele aerofólio. Ainda, o ar turbilhonado do bordo de fuga da asa (originado pelas Ondas de Choque) também tem influência negativa naquele estabilizador, reduzindo a sua efetividade.
Essa é a razão para a existência de algumas aeronaves, que voam em elevadas velocidades, serem dotadas de estabilizadores horizontais localizados em caudas denominadas em formato “T”. A ideia é afastar o aerofólio da zona de turbilhonamento do ar causada pelas Ondas de Choque nas asas. Para tal, os projetistas posicionam o estabilizador horizontal acima do estabilizador vertical.



O fenômeno “Tuck Under” se manifesta de forma progressiva, e pode ser facilmente identificado por uma tripulação bem treinada, uma vez que é precedido ou companhado de “buffet”, também de intensidade progressiva. Entretanto, é necessário ter em mente que as medidas corretivas devem ser adotadas o quanto antes, sob pena de agravar a situação ao ponto em que a aeronave poderá ingressar em um mergulho descontrolado, excedendo limites estruturais aerodinâmicos.
Aumento do arrasto
Ocorre com a elevação do Número de Mach empregado por uma aeronave. A resultante da sustentação, na zona de aceleração do ar para o fluxo supersônico (logo antes da formação da Onda de Choque Normal), causa turbulência e até o descolamento da Camada Limite presente na região posterior à Onda de Choque. Esses efeitos produzem uma força de arrasto extra, não previamente existente no voo subsônico, denominada Arrasto de Onda ou de Compressibilidade.
O aumento desse novo arrasto é lento, na medida em que a aeronave ultrapassa o Mach Crítico e as Ondas de Choque se tornam mais severas. Porém, ao se aproximar do MMO, esses efeitos podem se tornar muito significativos, devido ao elevado percentual de descolamento dos filetes da Camada Limite. A partir de uma determinada velocidade denominada Mach de Divergência de Arrasto (Drag Divergence Mach Number), o coeficiente desse novo tipo de arrasto se torna muito elevado. Voar próximo a tal velocidade implica, para manter a velocidade anterior e contrapor-se ao arrasto total, em aplicar incrementos cada vez maiores de potência, isso se traduz em grande aumento no consumo de combustível.
Vibrações
Conforme já comentado anteriormente, o turbilhonamento dos filetes da Camada Limite, e o seu posterior descolamento gerado pelas Ondas de Choque, causam vibrações em diversas partes da aeronave, como nas asas, cone de cauda e até na própria fuselagem.
Redução da eficiência dos comandos de voo
Esse era outro fenômeno que se manifestava nos primeiros aviões que se aproximavam cada vez mais da velocidade do som, e suas causas não eram compreendidas. Os comandos de voo (que permitem à aeronave mudar de direção em todos os eixos) tornavam-se muito pesados, pouco eficientes ou até inoperantes. Hoje, os engenheiros aeronáuticos sabem que o surgimento de tais anomalias também está associado ao aparecimento das Ondas de Choque, em voos realizados acima do Mach Crítico.
Os impulsos de pressão produzidos pelos comandos de voo se acumulam na Onda de Choque. Ainda, o ar que acaba passando por alguns desses comandos é justamente aquele que perdeu energia, na região de espessamento ou de descolamento da Camada Limite. Por fim, como já vimos anteriormente, o deslocamento do CP para trás faz com que a força necessária para movimentar os comandos aumente. Esses três fenômenos influenciam negativamente o rendimento dos comandos de voo.
RollOf
É quando o rolamento da aeronave ocorre para o lado oposto ao que foi comandado pelos pedais (leme de direção). Voando próximo ao MMO, a guinada de uma aeronave pode provocar o estol de choque na asa externa à guinada, ocasionando um rolamento no sentido oposto.
Em velocidades mais baixas, ao comandar o leme para um dos lados, naturalmente ocorrerá um rolamento da aeronave para o mesmo lado, pois a aplicação dos
pedais ocasiona o avanço da asa oposta, no sentido da guinada. Ao avançar, aquela asa ganha sustentação e sobe, provocando o giro da aeronave para o lado correto. Entretanto, em velocidades próximas ao MMO, ao comandar o leme pode ocasionar um giro de asa para o sentido oposto. Ao ser flexionado para um lado, o leme provoca o avanço da asa oposta (da mesma forma que descrito no primeiro caso), mas como a aeronave já se encontra próxima ao Número Mach limite operacional, o avanço da asa oposta também causará a sua aceleração, e tal asa poderá ter os efeitos adversos das Ondas de Choque significativamente aumentados, o que provocará arrasto nela e a consequente perda de sustentação. Ou seja, ao invés de asa subir, ela descerá, provocando uma rolagem no sentido oposto ao que foi comandado pelo leme de direção.
Assim, ao voar em grandes altitudes, com velocidades próximas ao MMO, é recomendado que as curvas sejam feitas sempre de forma suave com o uso dos ailerons, evitando-se a aplicação do leme direcional.
Estol de Mach
Você deve se lembrar de que o estol nada mais é do que o resultado da incapacidade de um aerofólio em gerar a sustentação necessária, para manter um avião em voo nivelado.
Primeiramente, recordemos de forma rápida como ocorre o estol em um aerofólio, em voos subsônicos. Basicamente, como consequência do aumento no ângulo de ataque de um aerofólio, em relação à direção de seu deslocamento, a viscosidade do ar reduz progressivamente a energia dos filetes da Camada Limite, causando o seu descolamento antes do bordo de fuga.

O ângulo de ataque tem influência na sustentação do aerofólio. Inicialmente, quanto maior, maior a sustentação, mas esse incremento tem um limite. Em certo ponto, o escoamento no extradorso da asa deixa de ser laminar e torna-se turbulento. Você já sabe que o descolamento da Camada Limite aumenta o arrasto e reduz a capacidade de produção de sustentação do aerofólio. As condições para a manutenção da diferença de pressão estática deixam de existir, e a sustentação é perdida quase que instantaneamente.
Assim, o estol ocorre sempre que um aerofólio alcança e supera o seu “Ângulo de Ataque Crítico”, independente da velocidade da aeronave. Nas modernas aeronaves,
com o velocímetro existe a indicação de proximidade desse ângulo, o que permite ao piloto evitá-lo. Também, sistemas automatizados como o “Stick Shaker” alertam o
piloto da iminência da condição do estol, “sacudindo” a coluna do manche e gerando avisos sonoros específicos. Ainda, algumas aeronaves de asas fixas contam com um dispositivo hidráulico ou eletromecânico denominado “Stick Pusher”, cuja função é a de impedir que a aeronave entre em uma situação de estol.
Tais aeronaves, muitas vezes, apresentam difíceis características de controlabilidade pós estol, o que pode tornar a ocorrência deste efeito muito perigosa. Assim, o “Stick Pusher” empurra o sistema de controle do profundor, sempre que o ângulo de ataque da aeronave atingir um valor predeterminado para aquela condição de voo, e então cessa quando o ângulo de ataque cai o suficiente. Normalmente, as aeronaves que possuem “Stick Pusher” também contam com o “Stick Shaker” instalado.
O estol tipificado acima é observado nos regimes subsônicos (onde não há escoamento supersônico no aerofólio), e também pode ocorrer no regime transônico, pois é uma decorrência da elevação do ângulo de ataque (uma aeronave voando em regime subsônico, em mergulho, mesmo que esteja empregando uma alta velocidade, poderá presenciar o estol se o piloto puxar repentinamente o manche, alcançando o Ângulo de Ataque Crítico).
Entretanto, no regime transônico, um outro tipo de estol também pode ocorrer, resultando nos mesmos efeitos que o primeiro, mas originado por motivo distinto. No regime transônico, as Ondas de Choque muito intensas produzem o descolamento dos filetes da Camada Limite, semelhante ao estol subsônico, sendo, dessa maneira, denominado de “Estol de compressibilidade, Estol de choque ou Estol de Mach”, ou ainda “Estol de Alta Velocidade”. O estol de Mach é menos crítico que o estol subsônico, uma vez que não impacta tão intensamente no coeficiente de sustentação.
O ângulo de ataque da asa tem o maior efeito na indução do buffet de Mach, tanto na alta quanto nos limites de baixa velocidade do avião. As condições do aumento do ângulo de ataque e, consequentemente, da elevação da velocidade do fluxo de ar sobre a asa e as chances de ocorrência de buffet de Mach são:
- Operação em altitudes elevadas – quanto mais alto o avião voa, mais fino o ar e maior o ângulo de ataque necessário para produzir a sustentação necessária para manter o voo nivelado;
- Operação com a aeronave muito pesada – mantidos os demais fatores constantes, quanto maior o peso do avião, maior será a demanda por sustentação a ser gerada pelas asas e, consequentemente, maior o ângulo de ataque para tal;
- Carga “G” – um aumento na carga “G” resulta na mesma situação que aumentar o peso do avião. Não faz diferença se o aumento nas forças “G” é causado por uma curva, uso inadequado dos controles de voo ou por turbulência. O efeito de aumentar o ângulo de ataque da asa é o mesmo.
Assim, perceba que uma aeronave capaz de voar em regime transônico pode experimentar as típicas vibrações que indicam a proximidade do estol (buffet), tanto em
baixa quanto em altas velocidades. Nas baixas velocidades, para contrapor-se ao estol o piloto deve reduzir o ângulo de ataque e aumentar a
velocidade da aeronave. Nas altas velocidades, ao pressentir sinais de estol (caso o ângulo de ataque não se encontre elevado), o piloto deverá reduzir a velocidade da
aeronave (e, consequentemente, reduzir os efeitos das Ondas de Choque).
Você deve se recordar das chamadas “caudas em T”, que abordamos anteriormente. Entretanto, uma vez que estamos comentando a questão do estol nos aviões, seja em baixa ou alta velocidade, é oportuno que você conheça “o outro lado da moeda”, quando empregamos uma aeronave com “cauda em T”. Nessas aeronaves, o estabilizador horizontal foi propositadamente colocado acima do estabilizador vertical, para livrá-lo dos efeitos do turbilhonamento do ar das asas, causado pelas ondas de choque.
Porém, em uma situação de estol, o ângulo de ataque é tão alto que o fenômeno se inverte. Ao afundar em uma situação de estol, o ar proveniente das asas, completamente desestruturado e turbilhonado, agora incide diretamente sobre a “cauda em T”, tornando praticamente impossível comandar o profundor. Tal fenômeno é chamado por alguns autores de “deep stall” (estol profundo), e é extremamente perigoso para uma aeronave. Essa situação é exemplificada na figura a seguir.

Bom, já sabemos que a velocidade indicada de um avião diminui em relação à velocidade verdadeira, quando a altitude aumenta. Como a velocidade indicada diminui com a altitude (para um mesmo peso e potência empregada), ela ingressa progressivamente na faixa limite de buffet de baixa velocidade, onde ocorre o buffet pré-estol para o avião em um fator de carga de 1,0 G (ou seja, em voo nivelado). Por outro lado, na medida em que aumenta a altitude (e consequentemente diminui a velocidade do som), maiores são as chances de uma aeronave ultrapassar o seu MMO, experimentar buffet de alta velocidade e também estolar.
Assim, tais velocidades irão se igualar em uma determinada altitude, o que se caracteriza pela altitude absoluta ou teto aerodinâmico do avião, para um determinado peso. Nessa altitude, se o avião reduzir a velocidade indicada irá exceder o ângulo de ataque crítico e estolar. Na mesma altitude, se o avião voar mais rápido irá ultrapassar o MMO, potencialmente levando ao buffet de alta velocidade. Essa área crítica do envelope de voo do avião é conhecida como Coffin Corner (Esquina do Caixão). Ao voar nessa região do envelope, a aeronave deve evitar curvas e turbulência (ou seja, qualquer carga “G”). Ao manter o voo nivelado, após um determinado tempo, o peso da aeronave se reduzirá (por conta do consumo de combustível), e ela paulatinamente irá se afastar da zona de risco, afastando-se do Coffin Corner.
