História do Sistema de Aviação Civil
Voar sempre foi um sonho da humanidade, desde a antiguidade, como ilustrado pela mitologia de Dédalo e Ícaro. As primeiras tentativas de voo envolviam asas semelhantes às dos pássaros, mas logo inventores como Leonardo da Vinci desenvolveram ornitópteros que, embora limitados, começaram a explorar o voo mecânico.
No século XIX, surgiram balões de ar quente e hidrogênio, marcando o início do balonismo. Mais tarde, o desenvolvimento dos dirigíveis permitiu maior controle e dirigibilidade em voo. Em 1906, Alberto Santos Dumont realizou o primeiro voo de uma aeronave mais pesada que o ar, o 14 bis, em Paris, dando início à era das aeronaves motorizadas.
A Importância das Guerras para a Aviação
Entre 1906 e 1914, o progresso na aviação foi significativo, mas foi durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que houve um grande avanço devido à pressão por superioridade aérea. Após a guerra, a aviação civil começou a se desenvolver, mas encontrou desafios, como:
- Soberania dos Espaços Aéreos: Países ainda não confiavam uns nos outros, dificultando a aviação comercial.
- Dificuldades Linguísticas: Diferentes idiomas complicavam as comunicações na navegação aérea internacional.
- Cartas de Navegação Despadronizadas: A falta de padronização das cartas de navegação era um grande problema.
- Formalidades Diferentes: Regras e leis de aviação variavam entre os países.
Para superar esses desafios, países vencedores da guerra se reuniram em conferências para regulamentar a aviação civil. Várias convenções importantes foram realizadas para discutir e equacionar questões relativas à navegação aérea internacional, permitindo o desenvolvimento da aviação comercial.
Convenção de Paris (1919)
A Convenção de Paris, realizada em 1919, teve como objetivo estabelecer princípios para a paz mundial e regulamentar as atividades aéreas no setor comercial. A convenção criou a Comissão Internacional de Navegação Aérea (CINA) para desenvolver e padronizar a aviação civil. Ela também iniciou o processo de internacionalização da aviação civil e discutiu a soberania do espaço aéreo, resultando em quatro teorias, das quais a teoria da soberania do espaço aéreo foi estabelecida posteriormente na Convenção de Chicago em 1944.
Regulamentos Estabelecidos:
- Marcas de Aeronaves: Matrículas para melhor controle.
- Certificados de Navegabilidade: Garantiam a capacidade de voo das aeronaves.
- Livro de Bordo: Controle das horas voadas e manutenções.
- Regulamentos para Luzes e Sinais e Regras de Tráfego Aéreo: Caracterização das luzes e sinais emitidos pelas aeronaves e aeródromos.
- Condições para Piloto e Navegante: Formação adequada e treinamento.
- Planos Aeronáuticos Internacionais e Sinais no Solo: Padronização dos planos aeronáuticos e sinais emitidos pelos aeródromos.
- Informações Meteorológicas: Divulgação de informações meteorológicas para planejamento de voos.
- Aduanas: Regulamentação do controle do tráfego de mercadorias.
Convenção de Havana (1928)
Realizada para regulamentar direitos comerciais devido à necessidade de voos cargueiros entre a América do Norte e a América do Sul, que faziam escala na América Central.
Convenção de Varsóvia (1929)
Estabeleceu regulamentos uniformes para o transporte aéreo internacional, incluindo documentos de transporte, responsabilidade civil do transportador em casos de acidentes, danos às bagagens e atrasos. A convenção promoveu a prevenção de acidentes e o amadurecimento do pensamento sobre a segurança dos voos.
Convenção de Roma (1933)
Ratificou a Convenção de Varsóvia e as regras estabelecidas, além de regulamentar a responsabilidade do transportador sobre danos causados pelas aeronaves à superfície, incluindo danos a pessoas e propriedades em solo.
Convenção de Bruxelas (1938)
Esta convenção visou estabelecer princípios e regras para os procedimentos de busca e salvamento no mar. Uma curiosidade é que o Brasil não participou desta convenção.
Convenção de Chicago (1944)
A Segunda Guerra Mundial acelerou significativamente o desenvolvimento da aviação. A pressão para ter soberania aérea levou ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de tecnologias, como os primeiros aviões a jato. Esse período marcou o início da era dos voos transcontinentais e transoceânicos, operando dia e noite, e a expansão de uma vasta rede de transporte de passageiros e carga.
Os EUA propuseram a Conferência de Chicago em 1944, reunindo 52 países para discutir problemas da aviação civil internacional. A convenção resultante tinha os seguintes objetivos:
- Preservar a amizade e compreensão entre as nações.
- Promover a cooperação para a paz mundial.
- Estabelecer acordos para o desenvolvimento seguro e ordenado da aviação civil internacional.
- Criar a Organização de Aviação Civil Internacional (OACI).
A Convenção de Chicago, assinada por 40 países, substituiu convenções anteriores e destituiu a CINA para que a OACI a substituísse. A convenção estabeleceu o princípio de soberania total dos países sobre o espaço aéreo acima de seus territórios e exigiu o consentimento prévio para operações aéreas internacionais. Acordos bilaterais, conhecidos como liberdades do ar, foram criados para regular esses voos.
Sistema de Aviação Civil Internacional
O sistema de aviação civil tem como objetivo padronizar procedimentos de comunicação, navegação, exigências alfandegárias, transporte de passageiros e carga, entre outras ações. É estruturado em duas maneiras: internacional e nacional.
Organização de Aviação Civil Internacional (OACI)
A OACI foi oficialmente criada em 4 de abril de 1947, com sede em Montreal, Canadá. Ela substituiu a CINA e aceita o princípio de que qualquer país exerce soberania absoluta sobre o espaço aéreo acima de seu território.
Objetivos da OACI (Art. 44º da Convenção de Chicago):
- Assegurar o progresso seguro da aviação civil internacional.
- Estimular o desenvolvimento de aeronaves para fins pacíficos.
- Promover o desenvolvimento de rotas aéreas, aeroportos e facilidades de navegação.
- Proporcionar transporte aéreo seguro, regular, eficiente e econômico.
- Prevenir desperdícios causados pela competição irracional.
- Assegurar respeito aos direitos dos países contratantes.
- Evitar discriminação entre países.
- Promover a segurança de voo.
- Promover o desenvolvimento geral da aviação civil internacional.
Anexos da OACI:
- Licença de Pessoal
- Regras do Ar
- Meteorologia
- Cartas Aeronáuticas
- Unidades de Medidas
- Operação de Aeronaves
- Matrículas e Marcas de Nacionalidade
- Aeronavegabilidade
- Facilitação
- Telecomunicações Aeronáuticas
- Serviço de Tráfego Aéreo
- Busca e Salvamento
- Investigação de Acidentes Aeronáuticos
- Aeródromos
- Serviço de Informação Aeronáutica
- Ruídos de Aeronaves
- Interferência Ilícita
- Transporte de Artigos Perigosos
- Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional
Notificação de Diferenças: Os países devem cumprir as práticas recomendadas pela OACI. Aqueles que não puderem cumprir devem apresentar razões e publicar as diferenças.
Estrutura da OACI:
- Assembleia: Reúne-se a cada 3 anos, formada por 193 países, analisa o trabalho realizado e planeja novas atividades.
- Conselho: Composto por 36 países, é responsável por adotar padrões e práticas internacionais, apresentar relatórios anuais e cumprir orientações da Assembleia.
- Comitês: Responsáveis por estudar e emitir parecer sobre assuntos específicos, como transporte aéreo, cooperação técnica, finanças, interferência ilegal, recursos humanos e proteção ambiental.
- Comissão de Navegação Aérea: Assiste o Conselho nos assuntos técnicos de aviação.
- Sede e Repartições Regionais: Sede em Montreal, com repartições regionais em Paris, Cairo, Cidade do México, Lima, Dakar, Bangkok e Nairóbi.
CLAC – Comissão Latino-Americana de Aviação Civil
Objetivo Principal: Prover às autoridades de aviação civil da América Latina uma estrutura para cooperação e coordenação de atividades relacionadas à aviação civil. A CLAC promove mecanismos de integração em transporte aéreo regional, harmonizando normas técnicas e estabelecendo acordos de liberalização aérea.
História: Instituída na Segunda Conferência Latino-Americana de Autoridades Aeronáuticas em 1973. Atualmente, 22 Estados da América Latina e do Caribe são membros.
Estrutura:
- Assembleia: Formada por representantes de todos os Estados-membros, reúne-se ao menos uma vez a cada dois anos para aprovar programas de trabalho e revisar atividades.
- Comitê Executivo: Administra, coordena e dirige o programa de trabalho aprovado pela Assembleia, podendo formar comitês e grupos de trabalho.
Atividades Técnicas: Realizadas por grupos de trabalho como GEPEJTA, AVSEC/FAL – CLAC/OACI e GRUGES.
IATA – Associação Internacional de Transporte Aéreo
Objetivo Principal: Promover a segurança, regularidade e economia do transporte aéreo internacional, estimular a indústria aeronáutica e colaborar com a OACI e outras organizações internacionais.
Atividades:
- Regulamentar serviços de tráfego de passageiros/carga.
- Promover intercâmbio de informações sobre operações de voo e manutenção.
- Disciplinar atividades de agências de turismo e cargas.
- Manter contatos governamentais para o desenvolvimento da indústria de transporte aéreo.
- Padronizar documentos de transporte de passageiros e carga.
ALTA – Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo
Objetivo Principal: Desenvolver um transporte aéreo mais seguro, eficiente e responsável com o meio ambiente.
Atividades:
- Tratar problemas de transporte aéreo, tarifas e cumprimento de direitos de tráfego.
- Coordenar esforços dos membros para solucionar problemas de interesse da América Latina.
- Fazer o “efeito bloco” junto à IATA, semelhante ao papel da CLAC com a OACI.
Comitês:
- Manutenção e MRO
- Prevenção de Fraude
- Assuntos Legais e Aeropolíticos
- Compras Técnicas
- Meio Ambiente
- Combustíveis
- Segurança Operacional
- Finanças
- Treinamento
- Tecnologia
Liberdades do Ar
As liberdades do ar são acordos bilaterais entre países que permitem o trânsito de aeronaves comerciais sobre o espaço aéreo de um país que não é o de origem da aeronave. Estabelecidas pela Convenção de Chicago de 1944, essas liberdades são essenciais para as operações das companhias aéreas, promovendo a conectividade global e facilitando voos internacionais.
Principais Liberdades:
- Primeira Liberdade: Direito de sobrevoar o espaço aéreo de outro país sem pousar.
- Ex.: Uma aeronave brasileira voando do Brasil para o Canadá, sobrevoando os EUA.
- Segunda Liberdade: Direito de fazer uma escala técnica (reabastecimento/manutenção) sem embarcar/desembarcar passageiros ou carga.
- Ex.: Uma aeronave brasileira voando do Brasil para o Canadá, realizando uma escala técnica nos EUA.
- Terceira Liberdade: Direito de transportar passageiros e carga do país de origem para o outro país contratante.
- Ex.: Uma aeronave brasileira levando passageiros e carga do Brasil para os EUA.
- Quarta Liberdade: Direito de transportar passageiros e carga do outro país contratante para o país de origem.
- Ex.: Uma aeronave brasileira levando passageiros e carga dos EUA para o Brasil.
- Quinta Liberdade: Direito de embarcar passageiros e carga em um país para transportar a um terceiro país, em voos originados/destinados ao país de origem.
- Ex.: Uma aeronave brasileira do Brasil para o Canadá, embarcando passageiros e carga nos EUA.
- Sexta Liberdade: Direito de transportar passageiros e carga entre um terceiro país e o país contratante, através do território do país de origem.
- Ex.: Uma aeronave brasileira do Canadá para os EUA, com escala no Brasil.
- Sétima Liberdade: Direito de transportar passageiros e carga entre o outro país contratante e um terceiro país, sem continuar o serviço para o país de origem.
- Ex.: Uma aeronave brasileira voando do Canadá para os EUA sem escala no Brasil.
- Oitava Liberdade: Direito de transportar passageiros e carga entre dois pontos no território do outro país contratante, em serviço destinado/proveniente do país de origem (cabotagem).
- Ex.: Uma aeronave brasileira voando do Brasil para Nova Iorque e depois para Miami.
- Nona Liberdade: Direito de transportar passageiros e carga entre dois pontos no território do outro país contratante, sem continuar o serviço para o país de origem (cabotagem pura).
- Ex.: Uma aeronave brasileira voando de Nova Iorque para Miami sem decolar do Brasil.
Importância das Liberdades do Ar
As liberdades do ar garantem a competitividade e flexibilidade das operações aéreas internacionais, promovendo a expansão de rotas, turismo e comércio, e parcerias entre companhias aéreas. Contudo, algumas liberdades, especialmente a Oitava e Nona, são mais sensíveis e frequentemente restritas por acordos bilaterais.
Essas liberdades são fundamentais para o funcionamento eficiente e seguro do transporte aéreo internacional, sendo essenciais para o crescimento econômico e a globalização.
